segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Homem-estatua

Agora eu caminho na beira do rio, e está sendo uma experiência muito mais prazerosa do que eu pensei que seria possível. Mas enfim, isso fica num post mais longo pra outro dia.
Mas tá. Chegando ali no London Eye, tem os turistas todos e, por consequencia, os artistas de rua que tentam ganhar trocados com os turistas. Tem sempre os homens-estátua, e as pessoas vestidas de século XVII, e os músicos (tipo o carinha do violão que toca uma versão meio chata de I fought the law), os eventuais malabaristas, etc. Muitas vezes são os mesmos, dependendo do horário em que eu vou. E eu fico imaginando como será a rotina desses caras... Aquele é o trabalho deles. Será que o cara do monociclo considera o vestido de pirata como "colega de trabalho"? Será que tem rivalidade entre as estátuas, as semi-estátuas, o caras vestido de côrte do Luiz XVI e o casal vestido de côrte do Luiz XVI só que pintado de dourado e parado como uma estátua?

Hoje eu vi uma coisa muito curiosa. Pena que eu estava sem a câmera, teria dado umas belas fotos.
Um cara andando no parque, presumo que ele fosse um homem-estátua, mas eu nunca tinha visto esse por ali antes. O que era curioso é que ele parecia um cara londrino normal saindo do trabalho: sobretudo preto-acinzentado, carregando um guarda-chuva grande da mesma cor. Só que ele também era preto-acinzentado. No rosto, na careca, etc. E ele era seguido por pombos preto-acinzentados. Foi uma cena surreal. Eu olhei, achei estranho, aquele inglês no parque verdinho, todo monocromático, sendo seguido por pombos. Weird.
Andei mais um pouco, dei meia-volta, e quando passei por ali de novo ele estava no meio de um cercadinho metálico preto-acinzentado (ele traz seu próprio cercadinho?), sentado numa caixa preta-acinzentada, toooodo coberto de pombos preto-acinzentados (será que ele rola no alpiste antes de vestir a roupa?) – pombos no cercadinho, no chão, pousados no ombro dele, na perna, no cabo do guarda-chuva... E ele parecia tão triste! Ele nem parecia se esforçar para ficar parado como as estátuas. Pelo contrário: ele estava levantando o dedo do meio para alguém que olhava!! Não consegui ver quem era. O homem-estátua estava mandando alguém tomar no cu!! E a expressão no rosto dele estava mais triste do que nunca.
Achei tudo muito curioso, dei uma risada, botei a cena na minha pastinha mental de "coisas bizarras que a gente vê por Londres", e segui meu caminho.

Mas continuei pensando no cara. Tomara que amanhã ele esteja lá de novo para eu olhar com mais calma.
Aquilo não era normal, parecia uma cena de filme, o homem preto-acinzentado, parado, coberto de pombos, todo deprimido... Parecia um conto de fantasia, ou algum filme de animação do leste europeu, que conta a história algum cara que trabalha num banco inglês (tipo o pai de família da Mary Poppins), tão preso naquela vida, tão apático e imóvel em sua rotina, que acaba sendo amaldiçoado por alguma bruxa disfarçada de velha que alimenta os pombos, tranformado em estátua humana. Ele odeia aquela vida, e toda vez que ele anda na beira do Tâmisa, da estação de Charing Cross até seu antigo banco, só por nostalgia, os turistas tiram fotos, os japoneses querem uma lembrança do homem-estátua na frente da roda-gigante, as criancinhas apontam, os pais jogam moedas, etc. E ele manda todo mundo tomar no cu. Ele não come, não trabalha, não dorme. Só vaga pela cidade, ele e os pombos que seguem aquela estátua, os pombos asquerosos que ele já cansou de tentar espantar, agora já se acostumou, até gosta deles, são sua única companhia em uma cidade que está tão acostumada a ver coisas bizarras que não estranha mais um homem preto-acinzentado arrastando seu guarda-chuva pela beira do rio.

4 comentários:

Fabi Madasi é: disse...

Você devia ser roteirista, fato!
besos e saudades, como sempre!

Anônimo disse...

caraca! Imaginei a cena perfeitamente! Mto boa divagação, os detalhes... hahahah! ídolo!
Podia mesmo ser um curta bacana, igualmente cinzento.
beijos

Mayhara disse...

eu já conversei com um velhinho que parecia o homem estátua. na verdade er aum velhinho de óculos que fica sentado na escadaria do teatro central. ele calçava, o que era bastante esquisito, várias meias, porque provavelmten ele naum tinha sapatos. depois de ocnversar com ele a história era incrivelmente mais triste do que a sua condição aparente.

o que a gente faz numa hora dessas?espero que o encontre novamente.

beijos

esper disse...

no PeterPan, o pai da Wendy nunca tira a casinha de cachorro das costas, como punição pelo descaso pelos avisos da babá. Ele ficou famoso em Londres pela obstinação e tudo mais.

Vai ver é super in, desde então, sair de casa e ir por trabalho com um fardo desse tipo.

Vai ver os pombos tentaram avisá-lo sobre os filhos saindo pela janela, assim como a naná fez com o malvado do PeterPan. Aí ele deixa milho no corpo até que seus filhos voltem. Como uma ingênua forma de tentar fazer o destino sentir pena dele.

O que não encaixa é o fato dele mandar as pessoas tomar no cu. Isso é pouquíssimo digno de historias de fantasia. Deve ser essa coisa toda de historinhas moderninhas para jovens moderninhos.