segunda-feira, 11 de agosto de 2008

2 scodelle di zucchero

Anteontem fui à casa da minha tia, irmã do meu pai, e ela me deu de presente algumas relíquias familiares. Uma boneca que foi da minha avó quando pequena. Uma fronha do enxoval de bebê do meu pai, onde minha avó bordou coelhinhos azuis. E o meu preferido: um caderno de receitas que foi da minha bisavó, e depois da minha avó. Tá todo caindo aos pedaços, a gente vai mandar restaurar, mas acho que dá pra dizer que esse caderno é a coisa mais preciosa que eu tenho hoje.

Minha avó Talita morreu quando eu tinha 6 anos. Era dezembro e eu estava morando em Londres. Apesar de eu ser bem novinha na época, eu me lembro muito bem dela, e de vez em quando eu morro de saudade. Na verdade não é nem tanto a saudade a partir das lembranças que eu tenho, mas dá muita saudade das coisas que eu deixei de viver porque ela morreu tão cedo. Ela era dessas donas de casa que se tivesse nascido hoje em dia certamente seria uma pessoa de muito sucesso em seja qual fosse a carreira que ela escolhesse seguir (penso em hotelaria ou design de moda, mas acho que ela seria boa em qualquer coisa). Ela cozinhava maravilhosamente bem, e costurava incrivelmente também (além de vestidos de festa incríveis pra mim, roupas de festa caipira ou fantasias de bichinho que ela inventava, ela fazia roupas pras minhas Barbies que matavam minhas amigas de inveja – lembro especialmente do vestido rodado azul com rendinhas pra minha Barbie, e da camisa florida de botão, com bolsinho e tudo, pro Ken).
Eu sempre fico pensando em como eu gostaria de ter crescido com a minha avó por perto. Eu teria adorado aprender a cozinhar com ela, eu teria adorado ir à Itália com ela, levar ela a Bologna e ao tal vilarejo de onde a avó dela veio, de navio, grávida da mãe dela. Segundo meu pai, as três cozinhavam cantando ópera (e vovó Talita cantava muito bem. É o que ele diz. Eu não ouvi, ou não me lembro). Eu teria adorado cantar com ela, e aprender italiano só pra conversar com ela, já que ela foi criada falando italiano em casa antes do meu bisavô ficar desempregado e eles se mudarem pra Minas. Um dia, em Londres (tem poucos meses, isso), vi numa feira de antiguidades um dedal de porcelana pintado com flores, e do nada fiquei com os olhos cheios d'água porque não podia levar de presente pra ela. Meio nada a ver, já que ela morreu há quase 20 anos. Mas eu tenho muita saudade da avó que eu não tive.

Eu nunca me interessei muito por aprender a cozinhar. Minha mãe cozinha super bem, mas cozinha pouco. As poucas vezes em que ela tentava me ensinar alguma tarefa doméstica, meu pai desencavava seu lado neandertal e dizia: "ah, que ótimo! Já tá mais do que na hora. Mulher tem mesmo que aprender a cozinhar. É importante, pra você poder fazer comida pro seu marido um dia". Aí eu e minha mãe tínhamos surtos feministas, eu saía da cozinha e não aprendia nada. Engraçado. Meus dois irmãos, homens, cozinham super bem, mas eu não cozinho quase nada. Mas é claro que eles não são filhos do meu pai.
Agora que eu moro sozinha to tendo que aprender a cozinhar na marra, e to descobrindo que não é tão ruim. Quer dizer, é um saco chegar da faculdade cansada e ter que fazer jantar, mas é legal comer algo que eu cozinhei. Pra quem sabe cozinhar, eu não cozinho NADA, mas pros meus padrões, to bem orgulhosa. Faço vários macarrões ótimos, e um dia me deu vontade de fazer carneiro, e eu comprei as costeletas e misturei com os ingredientes que me deu vontade e taquei na frigideira e fiz tudo no chute, e ficou bonzão, foi uma grande vitória. Vou me virando.
Meu pai vai passar 10 dias comigo em Londres agora em agosto, antes do meu novo flatmate ir morar comigo (mas isso é todo um post a parte). Eu resolvi comprar um presente de dia dos pais pra ele lá em vez de comprar aqui (lá eu já sei até o que eu vou comprar, acho que ele vai adorar, e aqui eu ia acabar dando alguma besteira só pra dizer que dei alguma coisa). Há uns 3 dias tive um ataque de carinho e resolvi fazer o tal carneiro pro meu pai no almoço de dia dos pais. Saí com a minha mãe no sábado, fomos ao açougue, compramos ingredientes, e de lá fui pra casa da minha tia, e ganhei o caderno de receitas. Foi uma surpresa.

As receitas tem o nome de quem passou, e a data em que foram anotadas. Tem uma em italiano, de um doce chamado Favetta, escrita com a caligrafia linda da minha bisavó Libera em 1936, receita passada pela minha tataravó Norma (a "vovó Nonna"). Tem uma receita de licor de leite do meu tataravô Bianco de 1922 (o maluco fascista – mas isso também é outro post). Tem receitas de doces de Campos, escritas na letra da minha avó (bom bocado, por exemplo), que suponho que tenham sido anotadas depois dela conhecer meu avô, e tem recortes de revista com receitas de mousses e coisas assim. Não tem a famosa alcachofra recheada da qual meu pai sempre fala, infelizmente, mas tem muitos bolos, doces e biscoitos, tem pizza e risoto, empadão e vatapá, pães e rocamboles, sopas e massas, tanta coisa. Não é tão gostoso quanto aprender a cozinhar com ela, mas pelo menos eu posso ter um pouquinho do sabor da minha avó me ensinando a cozinhar alguma coisa.

Resolvi até comprar um caderno e escrever minha modesta receita de cordeiro, pra um dia meus netos herdarem o meu caderno, e o da minha bisavó junto.

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